'Racha' no Copom: veja os argumentos dos diretores do BC que foram voto vencido e buscavam um corte maior no juro

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'Racha' no Copom: veja os argumentos dos diretores do BC que foram voto vencido e buscavam um corte maior no juro
Apesar da dissidência interna, integrantes do Copom concluíram que o cenário para inflação nos próximos anos se tornou 'mais desafiador'. BC vê cenário externo mais 'adverso', atividade econômica e emprego aquecidos e citou necessidade de política crível para contas públicas. Copom reduziu o ritmo de corte dos juros e registrou racha em sua última reunião

Raphael Ribeiro/BCB

O Comitê de Política Monetária (Copom) divulgou nesta terça-feira (14) a ata de sua última reunião, quando houve divisão na diretoria do Banco Central sobre o ritmo de corte da taxa de juros -- gerando nervosismo no mercado financeiro.

Na última semana, o Copom decidiu reduzir o ritmo de corte da taxa básica de juros --- que caiu 0,25 ponto percentual, de 10,75% para 10,50% ao ano.

Quatro diretores indicados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva votaram por um corte maior nos juros, de 0,5 ponto percentual, para 10,25% ao ano, mas foram voto vencido.

Quatro diretores mais antigos e o presidente do BC, Roberto Campos Neto, formando uma maioria, optaram por uma redução menor na taxa Selic.

O "racha" no Copom teve efeito negativo no mercado financeiro no dia seguinte. A bolsa de valores caiu, enquanto o dólar e os juros futuros avançaram.

O temor do mercado é que a diretoria do BC indicada pelo presidente Lula -- com maioria no Copom a partir de 2026 --, possa ter mais leniente com a inflação, em busca de um ritmo maior de crescimento da economia.

Apesar da dissidência interna, os integrantes do Copom concluíram, na ata de sua última reunião, que o cenário para inflação nos próximos anos "se tornou mais desafiador, com o aumento das projeções de inflação de médio prazo, mesmo condicionadas em uma taxa de juros mais elevada" (veja os recados do Copom mais abaixo nessa reportagem).

"Observou surpresas benignas no período recente, mas também elevação das projeções de prazos mais curtos, envolvendo preços livres e administrados [tarifas de serviços públicos]. Ao fim, concluiu-se unanimemente pela necessidade de uma política monetária [definição dos juros] mais contracionista e mais cautelosa, de modo a reforçar a dinâmica desinflacionária", diz o Copom.

Argumentos por uma redução maior no juro

Os quatro diretores indicados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, crítico contumaz da diretoria anterior do Banco Central -- indicada pelo presidente Jair Bolsonaro -- avaliaram que houve, de fato, um "aumento das incertezas internas e externas" na economia brasileira nas últimas semanas, como apontou o restante da diretoria do BC.

Entretanto, eles lembraram que o Copom havia indicado, em sua reunião anterior, que seria feito um novo corte de 0,50 ponto percentual, chamado de "guidance" no jargão técnico do mercado financeiro, e que o "debate proposto por tais membros foi sobre o custo de oportunidade de não seguir o 'guidance' vis-à-vis a mudança de cenário no período".

"Como em debates ocorridos em outras reuniões, tais membros discutiram se o cenário prospectivo [previsões para os próximos anos] divergiu significativamente do que era esperado a ponto de valer o custo reputacional de não seguir o 'guidance' [indicação de um corte maior nos juros, de 0,50 ponto percentual, para 10,25% ao ano], o que poderia levar a uma redução do poder das comunicações formais do Comitê", diz a ata do Copom.

Para tais membros, segundo o BC, "julgou-se apropriado, tal como em reuniões anteriores, seguir o guidance, mas reafirmando o firme compromisso com a meta e com a requerida taxa de juros terminal para que o objetivo precípuo do Comitê de convergência da inflação para a meta seja alcançado".

Eles avaliaram, ainda, que é difícil antever uma tendência para a dinâmica da inflação é "difícil" em um "ambiente incerto", mas que isso não deveria ser confundido com "leniência com relação aos indicadores divulgados no período, em particular as expectativas de inflação".

Alegações para um corte menor no juro

Ao mesmo tempo, quatro diretores mais antigos do Banco Central, e o presidente da instituição, Roberto Campos Neto, concluíram que era apropriado reduzir a taxa Selic em 0,25 ponto percentual -- para 10,50% ao ano, decisão que foi implementada -- porque o "cenário esperado não se confirmou em função da desancoragem adicional das expectativas [projeções de inflação em alta] , da elevação das projeções de inflação, do cenário internacional mais adverso e da atividade econômica mais dinâmica do que esperado".

"Para tais membros, o 'forward guidance' indicado [de um corte maior nos juros, para 10,25% ao ano] na reunião anterior sempre foi condicional e houve alteração no cenário em relação ao que se esperava. Tais membros ressaltaram que muito mais importante do que o eventual custo reputacional de não seguir um guidance, mesmo que condicional, é o risco de perda de credibilidade sobre o compromisso com o combate à inflação e com a ancoragem das expectativas", informou o BC, na ata do Copom.

Recados do Copom

Para além da divergência, o Comitê de Política Monetária divulgou vários recados na ata de sua última reunião. Veja abaixo:

Cenário externo: O BC avaliou que o cenário internacional se mostrou "mais adverso" e que a incerteza com relação ao ciclo de queda de juros norte-americano e ao processo desinflacionário nas principais economias mostra-se persistente. "Nesse cenário de incerteza prospectiva elevada, reforça-se a necessidade de maior cautela na condução da política monetária [definição da taxa de juros] doméstica. Observa que também houve uma mudança nas expectativas do mercado sobre o início do ciclo de cortes de juros nos EUA, com postergação. Juros altos por mais tempo nos EUA, segundo analistas, dificultam um corte mais agressivo da taxa Selic no Brasil.

Atividade econômica no Brasil: O Copom avaliou que, ao longo dos últimos trimestres, os dados de atividade econômica surpreenderam, com maior crescimento em diferentes componentes da demanda (procura por bens e serviços pela população). "Ressaltou-se a resiliência da atividade doméstica e a sustentação do consumo ao longo do tempo, em contraste com o cenário de desaceleração gradual originalmente antecipado pelo Comitê". Por fim, o BC concluiu que a atividade revela-se de fato mais forte ao longo do ano. Atividade econômica mais aquecida, por sua vez, pode ter um impacto maior sobre a inflação, dizem economistas.

Contas públicas: O Banco Central diz que "reforçou a visão de que o esmorecimento no esforço de reformas estruturais e disciplina fiscal", assim como o "aumento de crédito direcionado" (linhas com subsídios pelas empresas) e as incertezas sobre a estabilização da dívida pública têm o potencial de elevar a taxa de juros neutra da economia -- aquela que mantém a inflação sob controle sem afetar o crescimento da economia. Recentemente, o governo anunciou que quer alterar as metas das contas públicas, o que liberaria R$ 160 bilhões a mais em gastos em 2025 e 2026.

"O Comitê acompanhou com atenção os desenvolvimentos recentes da política fiscal [mudanças das metas para as contas públicas] e seus impactos sobre a política monetária [definição da taxa de juros pelo Banco Central]. O Comitê reafirma que uma política fiscal crível e comprometida com a sustentabilidade da dívida contribui para a ancoragem das expectativas de inflação e para a redução dos prêmios de risco dos ativos financeiros, consequentemente impactando a política monetária", diz o Banco Central.

Metas de inflação: O Comitê de Política Monetária avaliou que, para reduzir das expectativas de inflação, que estão em alta para 2024 e 2025, deve haver uma "atuação firme da autoridade monetária, bem como o contínuo fortalecimento da credibilidade e da reputação tanto das instituições como dos arcabouços fiscal e monetário que compõem a política econômica brasileira". "O Comitê não se furtará de seu compromisso com o atingimento da meta de inflação e entende o papel fundamental das expectativas na dinâmica da inflação", acrescentou.

Mercado de trabalho aquecido: O Copom diz que há "surpresas recorrentes apontando para elevado dinamismo do mercado de trabalho". Segundo a instituição, o debate se concentrou sobre a "possível transmissão para salários e preços do aperto verificado no mercado de trabalho". "Foi mencionada, como evidência preliminar, a inflação nos serviços intensivos em trabalho, que tem se mostrado persistentemente acima do nível compatível com o cumprimento da meta. Por outro lado, mencionou-se que ainda não há evidências conclusivas de impacto do mercado de trabalho sobre a inflação".